Reflexão Melhorar o sistema

Luís Lourenço, professor na Universidade de Beira Interior (UBI)

Não há verdades absolutas sobre a maneira de democratizar o sistema eleitoral português, nomeadamente no que diz respeito às autarquias. Mas o tema merece evidentemente ser debatido

Agora que o processo eleitoral das autárquicas está concluído, corre-se o risco de que muito do que foi dito e escrito a propósito das qualidades e vícios do sistema eleitoral seja esquecido até de aqui a quatro anos. Mas conviria que assim não fosse. Por isso uma discussão que contribua para a melhoria do sistema democrático em Portugal, agora feita porventura de forma mais calma e ponderada, continua a ser oportuna. É pois pertinente abordar as reflexões que J.-M. Nobre-Correia publicou em 5 de setembro na Notas de Circunstância sob o título “Democratizar o sistema”. Só que a democracia é precisamente feita também de troca de opiniões, não necessariamente concordantes, mas convergentes na sua defesa da dita democracia. Vão pois neste sentido estas “contra”-reflexões.

Em primeiro lugar convirá salientar que o sistema eleitoral português se pode comparar bastante positivamente com outros bem mais estabilizados. É particularmente positiva a solução encontrada de representação proporcional sem esquemas, mais ou menos estranhos, “favorecedores” de maiorias, mas desvirtuadores da representatividade. O sistema não precisa por isso de ser democratizado, o que não quer dizer que a sua democraticidade não possa e deva ser melhorada.

Este foi, com toda a certeza, o sentido das propostas avançadas por J.-M. Nobre-Correia, o mesmo não podendo já ser dito de outras que por aí surgem. É pois sobre aquelas que estas reflexões incidem porque, apesar da sua (boa) intenção, não é certo que os resultados pudessem vir a ser os pretendidos.


O risco de caudilhismo de caciques

Este é o caso, particularmente, da ordenação das listas nominais. Percebe-se a lógica subjacente à proposta. Porém, levada à prática, isso representaria um incentivo à personalização da política em oposição à valorização da discussão de propostas. Cada lista tem (deverá ter) um programa de ação. E, embora seja claro que esse programa virá a ser posto em prática por pessoas, a escolha em democracia deverá ser a das soluções.

Depois, seria necessário um profundo conhecimento das caraterísticas pessoais de cada um dos candidatos para que o eleitor pudesse escolher, de forma esclarecida, aquele que estaria em melhores condições para levar à prática o programa de uma lista. Por mais transparente e abundante que seja a informação sobre os candidatos, tal conhecimento, pura e simplesmente, não existe.

Adicionalmente, tal solução poderia incentivar o caudilhismo de caciques sem projeto nem programa, a não ser o dos seus interesses pessoais. Situações como as que estão a ser vividas hoje na Freguesia do (grande) Fundão dão uma imagem do que é a política pensada na perspetiva pessoal e não de projeto.

Finalmente ficam dúvidas quanto aos resultados práticos em termos da ordenação dos candidatos eventualmente eleitos. Qual o sentido de ordenação daqueles eleitores (quase de certeza a maioria) que não optassem por ordenar ? Seria favorável à ordem proposta ? Numa situação em que a abstenção já é demasiado elevada, não estaríamos a complicar em exagero o ato eleitoral, para atingir resultados de uma eficácia duvidosa ou, pelo menos, discutível ?

Quanto a outras propostas avançadas por J.-M. Nobre-Correia, as posições poderão ser diferentes. A obrigatoriedade de residência é uma proposta positiva, óbvia e clarificadora. Quanto à limitação de mandatos, ela é apelativa, ainda assim algo populista : não é com limitação de mandatos que se previne a corrupção. Quanto à penalização por não votar, ela deverá ser fundamentalmente política (com impedimento de candidatar e exercer cargos políticos) e esta penalização já existe na lei portuguesa, possa embora precisar de ser melhorada.

Mais haveria a dizer sobre as propostas avançadas por J.-M. Nobre-Correia, como sobre a melhoria do funcionamento dos órgãos das autarquias e a ligação destes aos eleitores. Passa aliás por aí o combate ao descrédito da atividade política e, portanto, o combate à abstenção…

O título, o subtítulo e o intertítulo são da responsabilidade da redação de Notas de Circunstância.