A maneira como a rádio e a televisão públicas “cobrem” a atualidade “da província” provocaria escândalo nas velhas democracias europeias. Nomeadamente quando a Antena 1 faz uma pretensa “revista de imprensa” …
Evocámos no precedente número de Notas de Circunstância aquilo, que num estudo da Universidade do Minho, foi definido como “a confraria que domina os plateaux informativos da TV portuguesa” [1]. O que traduzia em dados quantitativos aquilo que saltava aos olhos de um telespectador que não fosse demasiado distraído : os intervenientes da região de Lisboa dominam. Enquanto “os pobres diabos” das outras regiões têm uma presença próxima de zero.
Hélas !, esta distorção no funcionamento de uma democracia tragicamente macrocéfala faz parte da quotidianidade dos média portugueses. Daqui uma das razões porque a imprensa pretensamente “nacional” se vende tão mal “na província” e nomeadamente na Beira Interior [2].
Peguemos porém noutro exemplo. Na nomeada Antena 1, que é teoricamente a rádio generalista pública, há, durante a semana, uma “Revista de imprensa” que provocaria escândalo nas velhas democracias europeias. É que nesta pretensa “revista de imprensa” só os diários de Lisboa e do Porto têm direito a serem citados. Melhor (ou pior) do que isso : haja ou não conteúdos com interesse, todos os diários e semanários (generalistas, económicos ou desportivos) dessas duas cidades serão obrigatoriamente citados.
Evidentemente, a imprensa “da província” não existe. E o que é mais trágico : os editores da imprensa “da província” interiorizaram a situação e nem pensam sequer em protestarem junto da direção da informação, do conselho de administração ou mesmo da tutela da rádio pública. E o jornalista de serviço continua a fazer a eterna “revista de imprensa” lisboeto-portuense.
Ora, o anacrónico da situação é ver, por exemplo, diários como o I, o Jornal de Negócios ou o Diário Económico, com respetivamente 5 073, 7 083 e 10 246 exemplares de difusão impressa paga serem diariamente citados. Quando o Diário de Notícias da Madeira vende 10 074 exemplares. E o Diário de Coimbra vende 7 483, chegando mesmo, com as suas edições regionais em Aveiro (2 986), Leiria e Viseu (estas duas não controladas pela APCT [3]), ao dobro do Jornal de Negócios e ao triplo do I. Sem esquecer o Diário do Sul, de Évora, que, com 4 965, vende quase tanto como o I.
Como explicar então esta caricata “revista de imprensa” da Antena 1 ? Como aceitar que uma rádio pública paga por todos nós se atreva a propor uma “revista de imprensa” fundamentalmente umbigocentrista (só os portuenses Jornal de Notícias e O Jogo merecendo a condescendência lisboeta) ? Como tolerar que os responsáveis da RTP não metam na ordem o responsável da “revista de imprensa” e lhe façam notar que a imprensa portuguesa não se limita a Lisboa e ao Porto ?
E, para além da imprensa diária, não haverá semanários “na província” que mereçam ser citados ? Para falar apenas dos semanários da Beira Interior : a Reconquista, de Castelo Branco, com os seus 10 183 exemplares de difusão impressa paga, e o Jornal do Fundão, com 9 805 exemplares (os únicos dois jornais controlados pela APCT), não merecerão ser citados na dita “revista de imprensa” quando publicam notícias, reportagens, análises ou opiniões originais ?
A “revista de imprensa” da Antena 1 é uma caricatura do caricatural estado de uma democracia adiada que as gentes “da província” deveriam recusar, declarando firmemente : basta deste umbigocentrista lisboeta !…