Reflexão Saída(s) para o mundo rural…

Pedro Guedes de Carvalho, professor na Universidade de Beira Interior (UBI)

O modelo de produção agrícola para o mercado está esgotado. Há pois que conceber um outro paradigma produtivo, criando empresas de base comunitária…

Em inúmeras publicações internacionais sobre desenvolvimento económico e social, é frequentemente referido que o mundo está a urbanizar-se de uma forma exponencial, prevendo-se que a população urbana atinja os 85 % da população europeia em 2050 [1]. Simultaneamente tem-se negligenciado a ocorrência de fenómenos de profunda pobreza nas sociedades rurais, não apenas nos países devastados e subdesenvolvidos mas também nas regiões periurbanas e envolventes de muitas cidades, mesmo que economicamente robustas, em países desenvolvidos.

A questão essencial resulta de não se ter ainda conseguido vislumbrar um outro paradigma produtivo para actividades agrícolas em mundo rural, que demonstre ser sustentável e, por essa razão, se continuar a insistir no modelo (esgotado) de produção para o mercado, intermediado pelas grandes cadeias multinacionais de distribuição.

Realidades pouco estudadas no ensino

Os modos tradicionais de produção, mesmo que sustentáveis, vão sendo desgastados pela velocidade e pressão de obter grandes produções para abastecer enormes cadeias de distribuição. Essa actividade tradicional não consegue já garantir suficiente bem-estar económico e cultural a quem produz só agricultura e, além da dificuldade de acesso às cadeias de distribuição, há ainda dificuldade de acesso a centros de investigação e produção de tecnologias inovadoras que lhes resolvam problemas concretos. Estas dificuldades compaginam aquilo que poderiam ser novas oportunidades para as comunidades de base rural.

No passado aniquilaram ou deixaram morrer os artesãos, apesar de ainda serem fragilmente promovidos em algumas feiras de produtos artesanais que muitas associações persistem (e bem) em não deixar morrer. O homem industrial que substituiu este artesão também não pode ser sustentável nestas comunidades rurais pois os seus preços de venda serão sempre “esmagados” pelos concorrentes mais organizados dos mercados das grandes cidades e das grandes cadeias de distribuição.

Nesse sentido tentar promover ideias de negócio tipo industrial nestas comunidades parece fazer adivinhar tempos muito difíceis no que à sustentabilidade diz respeito. Não podemos esquecer exemplos vindos de todas as paragens do mundo onde se localizaram algumas indústrias tecnologicamente muito avançadas até (por exemplo : Texas Instruments) que, quando se alterou o processo de fabrico em países com mão-de-obra muito mais barata perderam todas as fábricas que se deslocalizaram a velocidade estonteante. Hoje em dia poderemos considerar que as competências tecnológicos vieram substituir as habilidades dos antigos artesãos, mas são insuficientes para compreender na sua profundidade, regras de sua utilização aplicada a realidades que são pouco estudadas nos centros de ensino superior.

Uma das perspectivas que se abre é a criação de empresas de base comunitária cujo objectivo último não é tanto a obtenção do lucro máximo mas sim a manutenção e sustentação de produtos para as pessoas, com o trabalho interligado entre gerações diferentes de muito mais novos que ensinam e aprendem com mais velhos. Trata-se de encontrar novas ideias, desenvolvendo-as como novas oportunidades que possibilitem às comunidades existirem e quase que sendo as guardiãs dos ecossistemas e valores culturais aí existentes.

Uma interdependência baseada em pessoas

O turismo poderia vir dar corpo, como actividade económica mais organizada que é, à alavancagem destas diversas comunidades, integrando-as em pacotes colectivos de ganhos mútuos. No fundo o novo paradigma a propor será o de criar um sistema de base comunitária, mais do que multinacional, em que as entidades incluídas possam funcionar independentes e evoluam através de uma interdependência baseada mais em pessoas do que em empresas. Essas comunidades podem desenvolver todo um sistema de trocas baseado nos seus termos mais que nos termos impostos pelos mercados mundiais. As empresas comerciais poderão cumprir o seu papel de apoiar as operações que farão estas produções de base comunitária rural alcançar as comunidades urbanas em cadeias de distribuição alternativas. Desta maneira os resultados obtidos (mais-valias) retornariam à comunidade produtora de base onde poderiam ser de novo injectados para sustentar e inovar continuamente.

Pura utopia, dirão alguns ! “Como se todos os grandes progressos da humanidade não fossem devidos a utopias realizadas ! Como se a realidade de amanhã não devesse ser feita de utopias de ontem e de hoje”, escrevia André Gide…

O titulo, o subtítulo e os intertítulos são da responsabilidade da redação de Notas de Circunstância.

[1] Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Relatório sobre a situação da população mundial 2011, Nova Iorque, UNFPA, 2011, p. 83.