Análise O estado da educação

Isaura Reis, professora no Agrupamento de Escolas Gardunha e Xisto, Fundão

O analfabetismo, o abandono escolar precoce e a fraca qualificação de nível superior persistem como marcas de uma geografia de desigualdades na Beira Interior…


A situação atual da Beira Interior torna percetível um declínio social e económico, associado, designadamente, ao recuo demográfico, ao envelhecimento, à fragilidade do tecido empresarial, aos baixos níveis de emprego e rendimento, assim como ao seu atraso educativo.

Apesar dos progressos registados nas últimas décadas, a situação da educação nos distritos de Castelo Branco e da Guarda revela sinais preocupantes. O analfabetismo persiste a níveis significativos, o abandono escolar precoce subsiste e a proporção da população com ensino superior completo é muito baixa. 

Fazendo uso dos resultados dos censos de 2011, é uma evidência que a Beira Interior se afasta, pela negativa, da realidade nacional. Porém, um olhar mais atento à escala concelhia é revelador de grandes desigualdades entre as 23 entidades administrativas que integram o território regional. 

Porque a educação tem uma importância estratégica que atravessa o todo social, contribuindo para o desenvolvimento, a afirmação da cidadania, o fortalecimento da democracia, o progresso técnico-científico e a qualificação do trabalho, é indispensável analisar a situação da educação na Beira Interior, dando relevância às desigualdades regionais e concelhias.


Um analfabetismo sempre presente

Falar de alfabetização não corresponde necessariamente a falar de escolarização. Porém, se os primeiros censos populacionais realizados em Portugal (1878-1930) usaram como critério estatístico de alfabetização a capacidade declarada pelo inquirido de “saber ler”, a partir de 1940, e face à centralidade da escola, a escolarização passa a ser o “critério central e quase único que separa os que fazem parte do mundo letrado e moderno, dos outros, os analfabetos” (Candeias, 2004, p. 67). 

Em todo o caso, independentemente da via de acesso dos portugueses ao mundo das letras, via informal ou formal, a história da educação em Portugal sublinha que o processo de alfabetização dos portugueses foi um processo extremamente lento e inacabado (Tabela 1).


Tabela 1 : Evolução da população alfabeta de idade igual ou superior a 10 anos (%) em Portugal (1900-2011)


1900
1911
1920
1930
1940
1950
1960
1970
1981
1991
2001
2011
27%
31%
35%
40%
48%
58%
67%
74%
79%
89%
91%
94%

Fonte: Candeias, 2004 e INE (Censos 2011)


Só em meados do século XX é que cerca de metade dos portugueses se encontram alfabetizados e em pleno século XXI a alfabetização total da população continua a não estar conseguida. De facto, e apesar dos progressos verificados, sobretudo após os anos de 1960, uma parte significativa da população continua excluída do usufruto da escolaridade: em 2011 mais de meio milhão de portugueses não possuem nenhum nível de escolaridade. 

Porém, a realidade nacional do analfabetismo não revela a sua verdadeira expressão. Os fatores demográficos, económicos e socioculturais cruzam-se de forma particular em cada território, daí que a escala regional e local proporcionem uma melhor análise desta realidade. 

Como é possível observar no Gráfico 1, os valores da taxa de analfabetismo à escala regional são superiores ao valor médio registado em Portugal: Região Centro 6,7 % e Beira Interior 9,5 %. Já à escala concelhia os valores extremos têm uma enorme amplitude (Guarda 5,4 % e Idanha-a-Nova 21,7 %) e registam elevadas diferenciações que podem ser tipificadas em quatro desempenhos concelhios.


No primeiro caso temos a Guarda que regista uma taxa de analfabetismo de 5,4 %, valor inferior ao registado em Portugal, na Região Centro e na Beira Interior. 

Em seguida estão Seia, Castelo Branco, Covilhã, Gouveia e Almeida que registam valores mais favoráveis ao valor médio registado na Beira Interior (9,5%), mas em todo o caso inferiores aos valores registados em Portugal e na Região Centro, respetivamente 7,3 %, 7,4 %, 7,7 %, 8,5 % e 9,4 %. 

No terceiro caso encontramos a maioria dos concelhos: Fornos de Algodres, Belmonte, Figueira de Castelo Rodrigo, Manteigas, Pinhel, Sertã, Trancoso, Fundão, Celorico da Beira, Vila de Rei, Meda, Proença-a-Nova, Vila Velha de Ródão, Sabugal e Oleiros, que registam taxas de analfabetismos entre os 10 % e os 15 %, valores superiores aos valores médios nacionais e regionais. 

Finalmente, temos Penamacor e Idanha-a-Nova com os piores desempenhos e muito distantes de todos os valores médios nacionais e regionais, respetivamente 21 % e 21,7 %. 


Uma saída escolar demasiado precoce 

O sistema educativo português continua a ter dificuldades em responder às necessidades das crianças e jovens que acolhe, utilizando muitas vezes a repetência como meio de superação de dificuldades, o que frequentemente gera novas repetências, desmotivação e abandono escolar. 

Este não é um fenómeno exclusivamente português, muitos outros países europeus confrontam-se com o mesmo problema, porém, na sua maioria, não com a mesma dimensão. Segundo o Eurostat, em 2011 a proporção da população entre os 18 e os 24 anos que não se encontra a frequentar a escola e obteve no máximo o 9º ano de escolaridade é de 13,5 % na União Europeia a 27 (UE27) e de 23,2 % em Portugal. Entre os países na Zona Euro apenas Espanha (26,5 %) apresenta um valor superior (CNE, 2013). 

Face à expressão e aos efeitos negativos gerados, a nível social e pessoal, este indicador foi escolhido para acompanhamento no âmbito do Programa de Trabalho Educação e Formação 2010 da União Europeia, tendo sido definida como meta da EU 2020 a redução da taxa de saída escolar precoce para níveis inferiores a 10 %. 

Nos últimos dez anos a evolução deste indicador tem sido bastante positiva. Em 2011 onze países da UE27 já atingiram a meta europeia e Portugal, ainda a uma distância de 9,7 pontos percentuais, regista um grande esforço de recuperação (Tabela 2).

Tabela 2 : Evolução da Taxa de Saída Escolar Precoce em Portugal (2001-2011)

2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
44.2%
45%
41,2%
39,4%
38,8%
39,1%
36,9%
35,4%
31,2%
28,7%
23,2%
Fonte : Eurostat (Labor Force Survey 2012)

Apesar da referida recuperação, desagregando os resultados à escala regional e concelhia verifica-se que a realidade nacional revela disparidades geográficas muito significativas. Analisando com maior detalhe a realidade portuguesa (Gráfico 2.) regista-se que os valores da taxa de saída escolar precoce à escala regional são inferiores ao valor médio registado em Portugal : Região Centro 18,8 % e Beira Interior 17,2 %. Já à escala concelhia os valores extremos têm uma enorme amplitude (Manteigas 13,4 % e Figueira de Castelo Rodrigo 28,2 %) e registam elevadas diferenciações que podem ser tipificadas em quatro desempenhos concelhios.


No primeiro caso temos um número significativo de concelhos (Manteigas, Proença-a-Nova, Guarda, Vila de Rei, Castelo Branco, Sertã, Covilhã, Almeida e Seia) que registam uma taxa que varia entre os 13,4 % e 16,7 %, valores mais favoráveis aos registados em Portugal, na Região Centro e na Beira Interior. 

Em seguida estão Gouveia, Oleiros, Fornos de Algodres e Fundão que registam valores mais favoráveis aos valores médios registados em Portugal (22,1 %) e na Região Centro (18,8 %), mas em todo o caso menos favoráveis ao valor médio da Beira Interior, respetivamente 17,6 %, 17,8 %, 17,9 % e 17,9 %. 

No terceiro caso temos Sabugal, Meda, Trancoso e Pinhel com taxas de, respetivamente 19,2 %, 19,2 %, 20,5 % e 21,1 %, valores mais favoráveis ao valor médio registado em Portugal (22,1 %), mas mais desfavoráveis aos valores médios regionais. 

Finalmente aparecem Vila Velha de Rodão, Penamacor, Belmonte, Celorico da Beira, Idanha-a-Nova e Figueira de Castelo com valores que variam entre 22,6% e 28,2% e que correspondem aos piores desempenhos e muito distantes de todos os valores médios regionais e nacionais.


Um nível superior longe de ser atingido 

Visando o reforço do potencial de crescimento e de competitividade europeia, a Estratégia Europa 2020 definiu cinco objetivos: empregabilidade, intensidade em investigação e desenvolvimento, nível de educação, inclusão social, e clima e energia. No que se refere à educação foram definidas duas metas: taxa de abandono escolar precoce inferior a 10 %, já referida anteriormente, e pelo menos 40 % da população dos 30 aos 34 anos com formação superior concluída. 

Segundo o Eurostat, em 2011, a percentagem de diplomados do ensino superior, no grupo etário 30-34 anos, é de 34,6 % na UE27 e de 26,1 % em Portugal, valor superado pela negativa apenas pela Itália (20,3 %), Roménia (20,4 %) e Eslováquia (23,4 %). Assinale-se que seis países já ultrapassaram a referida meta : Irlanda (49,4 %), Finlândia (46 %), Reino Unido (45,8 %), França (43,4 %), Dinamarca (41,2 %) e Espanha (40,6 %). 

Ao longo dos últimos dez anos Portugal, tem tido uma trajetória favorável quanto ao número de jovens diplomados do ensino superior (Tabela 3). Porém a meta definida para 2020 está longe de ser atingida.


Tabela 3 : Evolução da Taxa de Diplomados do Ensino Superior na Europa e em Portugal (2000-2011)


2000
2009
2010
2011
EU 27
22,4%
32,2%
33,5%
34,6%
Portugal
11,3%
21,1%
23,5%
26,1%
Fonte : Eurostat 2012

Analisando com maior detalhe a realidade regional e concelhia (Gráfico 3), verifica-se que os valores da taxa de diplomados do ensino superior à escala regional são inferiores ao valor médio registado em Portugal: Região Centro 27,7 % e Beira Interior 21,8 %. Já à escala concelhia os valores extremos têm uma enorme amplitude (Guarda 34,9 % e Vila de Rei 13,3 %) e registam diferenciações significativas que podem ser tipificadas em quatro desempenhos concelhios. 





No primeiro caso temos a Guarda, Castelo Branco e Covilhã que registam uma taxa, respetivamente, de 34,9 %, 34,1 % e 30,9 %, valores superiores aos registados em Portugal, na Região Centro e na Beira Interior. 

Vêm numa segunda posição Proença-a-Nova, Gouveia, Fundão, Trancoso, Oleiros, Belomonte e Meda que registam valores mais favoráveis ao valor médio registado na Beira Interior (21,8 %), mas em todo o caso inferiores aos valores registados em Portugal e na Região Centro, respetivamente 25,4%, 24,3%, 23,4%, 22,6%, 22,4%, 22,4% e 22,1%. 

Em seguida estão Fornos de Algodres, Manteigas, Sabugal, Celorico da Beira, Seia, Vila Velha de Ródão, Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel, Almeida e Idanha-a-Nova taxas entre os 21,3% e 17,4%, valores inferiores aos valores médios nacionais e regionais. 

Finalmente temos Sertã, Penamacor e Vila de Rei com os piores desempenhos e muito distantes de todos os valores médios nacionais e regionais, respetivamente 15,1%, 14,1% e 13,3%.


Ultrapassar atrasos e atingir metas precisas 

A análise realizada permite constatar que a igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso educativo está por concretizar e que as desigualdades entre regiões e municípios são uma realidade que conviria corrigir. Como é possível sistematizar na Tabela 4 os resultados apurados para os três indicadores analisados revelam desempenhos e expressões territoriais distintos.

Tabela 4 : Analfabetismo, Saída Escolar Precoce e Qualificação Superior em Portugal, Região Centro e Beira Interior (% por concelhos) em 2011

Taxa de Analfabetismo
Taxa de Saída Escolar Precoce
Taxa de Qualificação Superior
Guarda
5,4%
Manteigas
13,4%
Guarda
34,9%
Portugal
5,7%
Proença-a-Nova
13,6%
Castelo Branco
34,1%
Centro
6,7%
Guarda
13,7%
Covilhã
30,9%
Seia
7,3%
Vila de Rei
15,0%
Portugal
28,6%
Castelo Branco
7,4%
Castelo Branco
15,3%
Centro
27,7%
Covilhã
7,7%
Sertã
15,4%
Proença-a-Nova
25,4%
Gouveia
8,5%
Covilhã
15,7%
Gouveia
24,3%
Almeida
9,4%
Almeida
16,3%
Fundão
23,4%
Beira Interior
9,50%
Seia
16,7%
Trancoso
22,6%
Fornos de Algodres
10,2%
Beira Interior
17,2%
Oleiros
22,4%
Belmonte
10,2%
Gouveia
17,6%
Belmonte
22,4%
Figueira de Castelo Rodrigo
10,2%
Oleiros
17,8%
Meda
22,2%
Manteigas
10,2%
Fornos de Algodres
17,9%
Beira Interior
21,8%
Pinhel
10,3%
Fundão
17,9%
Fornos de Algodres
21,3%
Sertã
10,7%
Centro
18,8%
Manteigas
21,0%
Trancoso
10,7%
Sabugal
19,2%
Sabugal
20,8%
Fundão
10,8%
Meda
19,2%
Celorico da Beira
20,0%
Celorico da Beira
11,0%
Trancoso
20,5%
Seia
19,4%
Vila de Rei
11,2%
Pinhel
21,1%
Vila Velha de Ródão
19,3%
Meda
12,5%
Portugal
22,1%
Figueira de Castelo Rodrigo
19,1%
Proença-a-Nova
13,3%
Vila Velha de Ródão
22,6%
Pinhel
18,9%
Vila Velha de Ródão
13,5%
Penamacor
23,8%
Almeida
18,0%
Sabugal
14,0%
Belmonte
24,7%
Idanha-a-Nova
17,4%
Oleiros
15,1%
Celorico da Beira
25,4%
Sertã
15,1%
Penamacor
21,0%
Idanha-a-Nova
26,9%
Penamacor
14,1%
Idanha-a-Nova
21,7%
Figueira de Castelo Rodrigo
28,2%
Vila de Rei
13,3%
Fonte : INE (Censos 2011)

O analfabetismo tem maior expressão nos concelhos com maiores níveis de ruralidade. Já a qualificação de nível superior surge com melhores desempenhos nos concelhos com maiores índices de urbanização. A saída escolar precoce apresenta uma expressão concelhia com um comportamento difuso, atingindo valores elevados quer nos concelhos mais urbanos de Guarda, Covilhã e Castelo Branco, quer nos concelhos rurais do Pinhal Interior Sul. 

Conjugando o desempenho dos três indicadores, é de sublinhar pela positiva o caso da Guarda que regista taxas de analfabetismo, de saída escolar precoce e de qualificação superior mais favoráveis do que as registadas às escalas nacional e regional. No sentido oposto sublinhem-se os casos de Penamacor e Idanha-a-Nova com os piores resultados. 

Face ao exposto, e apesar da melhoria progressiva dos níveis de qualificação dos portugueses, subsiste a necessidade de garantir níveis elevados de recuperação que permitam ultrapassar atrasos e atingir metas de equidade e qualidade educativa que tenham em conta o todo do território nacional. 

As desigualdades entre regiões e entre municípios são uma evidência que importa continuar a estudar e aprofundar, identificando fatores relacionados com a persistência de maus desempenhos educativos. Por esta via será possível encontrar medidas diferenciadoras em cada território que, designadamente melhorem : 


1. o acesso à educação de adultos, enquanto usufruto de um direito fundamental e fator estratégico de desenvolvimento ; 

2. a sinalização das dificuldades de aprendizagem, evitem a acumulação de insucessos e repetências e previnam o abandono escolar precoce ; 

3. a duração dos percursos escolares, cumprindo a escolaridade obrigatória de 12 anos e aumentando o acesso e a conclusão do ensino superior.


Referências : 

CANDEIAS, António [dir. e coord.] (2004), Alfabetização e Escola em Portugal nos Séculos XIX e XX: Os Censos e as Estatísticas, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. 

CNE [Conselho Nacional de Educação] (2013), Estado da Educação 2012. Autonomia e Descentralização, Lisboa.