Análise As dinâmicas demográficas

Maria João Guardado Moreira, professora do Instituto Politécnico de Castelo Branco

Nos últimos 50 anos, a população da Beira Interior tem sido atraída pela litoralização do país e pela emigração. O que provoca um despovoamento a que só Castelo Branco e a Covilhã têm resistido…

Nos anos de 1970, Antonio Pintado e Eduardo Barrenechea fizeram um périplo em torno da fronteira que separa Portugal e Espanha, durante vinte e um dias, percorrendo cinco mil quilómetros. O resultado foi um relato pormenorizado da “viagem a essa grande região marginalizada, grande berço de pobreza e atraso (salpicada, quase só do lado espanhol, por três ou quatro oásis de relativa pujança, cujo efeito é realçar ainda mais o deserto circundante)” (Pintado e Barrenechea, 1974, p. 9), composto por uma crónica da viagem propriamente dita e por uma descrição mais técnica e económica destas regiões. Este retrato, desolador ocorre numa época de êxodo rural e emigração cujos efeitos se prolongam aos anos seguintes, agravando, ainda mais, aquelas tendências.

Esta fronteira coincide principalmente com o interior, região onde se localiza a Beira Interior e mais concretamente o distrito de Castelo Branco. E interior tem tido uma conotação negativa que não resulta apenas da sua localização geográfica, mas também do seu caráter de área marginal, de subdesenvolvimento, de ruralidade. Referências que são repetidas em numerosos estudos e que estão relacionadas com um passado que historicamente tem privilegiado o litoral face às regiões do interior. Na verdade, a centralização política e económica, que acabou por fomentar uma organização territorial que favorece o litoral em detrimento dos espaços interiores, são alguns dos factores que maioritariamente marginalizaram a faixa que tem como limite a fronteira política. E o desenvolvimento urbano e industrial não afetou especialmente estas regiões. Por isso se tornaram áreas repulsivas, marcadas pelos movimentos de saída que, sobretudo a partir dos anos sessenta, afastaram milhares de jovens ativos, tal como já davam contam Pintado e Barrenechea.

Este contexto tem condicionado a dinâmica da população da Beira Interior, principalmente os movimentos migratórios, uma constante desta região, tanto para outros países, como movimentos internos com destino ao litoral ou para os centros urbanos mais próximos.



Os ritmos de (de)crescimento


A análise do crescimento anual médio (Quadro 1) reflete as diferentes fases por que passaram esta região e os seus concelhos, com tendências semelhantes, ainda que variando as intensidades dos ritmos de (de)crescimento. Desde logo se destacam as décadas de 60 e 70 do século XX, as mais penalizadoras devido aos fortes fluxos migratórios (emigração e migrações internas). Quando comparamos os concelhos vemos que são os de cariz mais rural aqueles que revelam uma tendência mais regressiva, de tal modo que não chegam a recuperar nos anos seguintes. Os concelhos que albergam centros com características urbanas, casos de Castelo Branco e da Covilhã, ou que são economicamente mais ativos, conseguem manter alguma vitalidade demográfica, muito pelo efeito da cidade como polo de atração da população das zonas rurais circundantes que, em contrapartida, se vão esvaziando. Todavia, em 2011 acentua-se esta tendência de esvaziamento da Beira Interior, de tal modo que, segundo o último recenseamento realizado em Portugal, apenas Castelo Branco e Vila de Rei, no distrito de Castelo Branco, registam uma variação positiva [i].


As dinâmicas natural e migratória
Outro aspecto a ter em consideração diz respeito ao processo de declínio da natalidade, comum ao resto do país. Na Beira Interior este processo, que se inicia nos anos 20 do século passado, conhece um declínio mais forte nos anos 70, influenciado pelos movimentos migratórios, já que os que saem são principalmente jovens (Bandeira, 1996, p. 208, 219-220 ; Nazareth, 1979, p. 86-93). Note-se que depois da década de 1970 (Quadro 2), o crescimento natural permanece negativo em todos os concelhos até à atualidade, especialmente em Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor, Proença-a-Nova, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão.





Como referimos, os fluxos migratórios condicionaram a dinâmica do desenvolvimento desta região, como é bem visível quando analisamos as taxas de crescimento migratório anual médio (Quadro 3). Enquanto nas décadas de 60 e 70 as taxas negativas indiciam um forte êxodo da população que atingiu todos os concelhos em análise e que nesta época tinha como destino principalmente alguns países europeus, nas últimas décadas as taxas de sinal positivo permitiram a alguns concelhos registar um crescimento total, ainda que diminuto (Quadro 1). Noutros casos, não foi suficiente para anular os efeitos das taxas de crescimento natural fortemente negativas (Quadro 2). A intensidade destes fluxos está na origem da perda de vitalidade demográfica de grande parte dos concelhos desta região, com reflexo nos anos posteriores, tanto no que diz respeito ao volume das suas populações, como às características das suas estruturas etárias. A evolução da população tem, portanto, estado fortemente dependente dos movimentos migratórios, até porque a dinâmica natural acumula perdas desde os anos 70, como anteriormente observámos. Repare-se que os concelhos de Belmonte, em 1991-2001, e Castelo Branco e Covilhã, em 1991-2001, bem como em 2001-2011, registaram um crescimento positivo decorrente do crescimento migratório.


A estrutura etária da população
A conjugação da descida da fecundidade com o impacto dos movimentos migratórios condicionou, por outro lado, de forma muito evidente, o perfil da estrutura etária da população beirã. Estas regiões foram perdendo a capacidade de reproduzirem a sua população, de tal modo que comprometem o seu crescimento, pelo que vão ter maiores dificuldades em criarem condições para regenerar as suas pirâmides etárias, já que os migrantes são normalmente jovens ativos e os que permanecem são fundamentalmente os mais velhos. O resultado traduz-se no envelhecimento progressivo da sua população, tanto no que respeita ao aumento significativo da percentagem de idosos, bem como pela diminuição dos jovens em relação ao total da população. O fenómeno do envelhecimento, que é nacional, mas que adquire aqui uma intensidade mais intensa, tem consequências imediatas, provocando a alteração dos volumes de ativos (Quadro 5), a necessidade de criação de serviços de apoio à terceira idade, a reformulação do sistema de pensões e o repensar dos cuidados de saúde, agora direcionados para estes novos tipos de população.










A análise da evolução da estrutura etária da população da Beira interior reflete, pois, as vicissitudes da evolução da população desta região e das suas formas de vivência e comportamentos coletivos.

Como resultado da redução da dinâmica natural, que se vai tornando negativa, o grupo dos jovens foi diminuindo logo a partir da década de 70. Inversamente, os idosos, por causa dos fluxos migratórios, mas também porque a esperança média de vida se vai ampliando, veem o seu peso aumentado. Por isso, a Beira Interior vai envelhecendo, quer na base quer no topo, ou seja, o número de idosos ultrapassa o de jovens, situação visível desde os anos de 1980 na generalidade dos concelhos, cujo reflexo se plasma no índice de envelhecimento [i] (Quadro 7). Todavia, em Vila Velha de Ródão este processo é mais precoce, visto que logo em 1970 o número de maiores de 65 anos supera os menores de 15.


Nos últimos anos o processo de envelhecimento tem vindo a agravar-se : em 1991, o número de concelhos em que havia mais de dois idosos por cada menor de 15 anos era de quatro (Idanha-a-Nova, Penamacor, Vila de Rei e Vila Velha de Rodão), em 2001 já era de seis (os anteriores mais Oleiros e Proença-a-Nova), sendo que em Penamacor, Vila Velha de Rodão e Oleiros esse valor ascende quase aos seis idosos ; em 2011 apenas em Castelo Branco e na Covilhã o peso dos idosos é menor, não chegando aos dois idosos por cada jovem. Dentro da Beira Interior destacam-se Idanha-a-Nova, Penamacor e Vila Velha de Rodão onde o peso da população idosa supera os 40 %.

A evolução da população da Beira Interior tem, portanto, sido marcada pelas formas de organização do território nacional que se caracterizou pelo redireccionamento da ocupação humana do espaço assente na progressiva litoralização do país, à custa do despovoamento do interior. A ruralidade abriu caminho aos fluxos migratórios de saída, tanto para o litoral como para o estrangeiro, ou para os centros urbanos mais próximos, tornando-se uma constante estruturante da história contemporânea das gentes beiroas e condicionando o seu curso de desenvolvimento, ainda que os concelhos com dinâmicas mais urbanas, Castelo Branco (em 2001 e 2011) e Covilhã (em 2001) tenham contrariado esta tendência recessiva, embora de forma algo tímida.


REFERÊNCIAS

PINTADO, António, BARRENECHEA, Eduardo (1974), A raia de Portugal, a fronteira do subdesenvolvimento, Porto, Afrontamento.

BANDEIRA, Mário Leston (1996), Demografia e modernidade. Família e Transição Demográfica em Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional.

NAZARETH, J. Manuel (1979), O envelhecimento da população portuguesa, Lisboa, Presença.

[i] Este índice indica o número de idosos por 100 jovens.

[i] Vila de Rei na década anterior tinha registado uma taxa negativa e agora vê a sua população aumentar. Todavia, não podemos esquecer que este é um concelho com um volume de população pequeno (3687 habitantes em 1991, 3354 em 2001 e 3452 em 2011), pelo que a análise de qualquer alteração no volume da sua população deve ter em consideração as oscilações aleatórias próprias de agregados com poucos efetivos populacionais. Todavia, note-se que este aumento não foi suficiente para alcançar os valores de 1991.


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