Análise As remessas dos emigrantes

José R. Pires Manso, professor da Universidade da Beira Interior (UBI)

A contribuição dos portugueses residentes fora do país para o equilíbrio das contas nacionais e no combate à crise, ao desemprego e ao subemprego na Beira Interior, continua a ter uma importância largamente desconhecida…
A emigração é em certo sentido um mal nacional : porque leva para o estrangeiro os mais jovens, os mais aptos e, no atual contexto, muitos dos melhor preparados que tanta falta fazem ao país, à sua depauperada economia e à sustentabilidade da segurança social. Mas, ao qual parece, estamos fadados de há longa data nesta matéria. Foi assim aquando das descobertas que deram “novos mundos ao mundo”. Foi assim no século XIX e no início do seguinte com a emigração para a Argentina, Brasil e tantos outros destinos. Continuou assim na segunda metade do século XX com a saída maioritariamente clandestina para a Europa (sobretudo França mas também Alemanha, Suíça, países do Benelux – Bélgica, Holanda e Luxemburgo). E continua a ser assim na atualidade para todos os países onde há um emprego para os jovens licenciados, mestres e doutores portugueses que não encontram uma oportunidade de exercerem a sua profissão no seu país.

A emigração ao longo do tempo – mas sobretudo na segunda metade do século XX – ajudou a reduzir o desemprego e a combater o subemprego que grassava na agricultura e outros sectores económicos nacionais onde se trabalhava de sol a sol, por um salário miserável, sem quaisquer direitos. Situação para que tendemos novamente com as políticas recentes (legislação laboral, redução de salários e pensões, aniquilação de direitos consagrados na constituição,…) com níveis de emigração já relativamente próximos dos alcançados no século passado.

Outra consequência da emigração foi a chegada a Portugal de rios de dinheiro dos emigrantes. Dinheiro que o Estado Novo de Salazar (apesar de ter reprimido ferozmente a emigração clandestina que levou centenas de milhares de portugueses para diversos países da Europa Ocidental e Central) como os governos do pós 25 de Abril usaram e usam para equilibrar as contas externas tradicionalmente deficitárias.

A emigração ajudou também os portugueses, particularmente os das regiões rurais, a combaterem a pobreza, o subemprego e o desemprego, assim como imensos jovens (filhos deles) a levarem a cabo as suas formações e a conseguirem uma muito melhor qualidade de vida do que aquela a que poderiam ambicionar se não se tivessem saído do país.

Embora no ano de 2011 os depósitos de emigrantes representassem apenas escassos 3,2 % do total de depósitos do país, este valor dá um contributo muito apreciado pelo governo para ajudar as saldar as nossas contas externas sistematicamente deficitárias. Ao ponto de ter levado o atual primeiro ministro e outras personalidades governamentais a estimularem os jovens a procurarem empregos noutras regiões do planeta. Apesar dos problemas sociais e outros que essa deslocação provoca para jovens que preferiam continuar a trabalhar em Portugal nas áreas que escolheram e em que investiram na sua formação. 


A evolução dos depósitos

Depois de terem crescido sustentadamente ao longo de dezenas de anos da segunda metade do século passado, as remessas dos emigrantes portugueses ainda cresceram de 2000 para 2001 mas desceram entre este ano e 2005, estabilizaram até 2007 e voltaram a crescer a partir deste ano até ao fim do período analisado (2011), acompanhando, por antecipação, as sucessivas crises (das hipotecas [“subprimes”], financeira e geral) que têm afectado seriamente o nosso país…

Em termos relativos, o peso dos depósitos dos emigrantes nos depósitos totais tem também vindo a decrescer quase ininterruptamente desde 2000, altura em que representavam 8,7 % dos depósitos totais, para os 3,2 % de 2011 com ligeiríssimos acréscimos em 2007 e 2008. Em termos absolutos, em 2000 eram 10,7 milhares de milhões de euros de depósitos no total de 122,5 milhares de milhões e em 2011 fixaram-se nos 6,4 milhares de milhões no total de 197,4 milhares de milhões também.
Em termos de trajetória de longo prazo, pode dizer-se que, enquanto os depósitos totais têm vindo a crescer sustentadamente desde o princípio do século, em contraciclo com a trajetória da economia do país que quase deixou de crescer a partir do ano 2000 para entrar em recessão nos últimos cinco anos, os depósitos de emigrantes, compreensivelmente, desceram sustentadamente desde então até 2011 (com a quase invisível alteração de 2007-2008 a que já se fez referência). Esta trajetória dos depósitos dos emigrantes a acompanhar a queda da economia pode ser interpretada como um movimento de defesa ou de preocupação dos emigrantes que dessa forma mostram preferir manter as suas economias no exterior enquanto a crise económica, o défice e o peso da dívida pública continuarem a afligir a economia e os portugueses.



A evolução nas NUTS III da Beira Interior [i]

A trajetória dos depositantes da Beira Interior é em tudo paralela à dos emigrantes nacionais no seu todo: cresceu em 2001, decresceu a partir deste ano até 2005, estacionou nos anos 2005-2007, para voltar a crescer ligeiramente a partir deste último ano até 2011. 

Desagregado pelas (até há pouco tempo) quatro NUTS III da Beira Interior, realça-se o peso dos depósitos da Beira Interior Norte (a maior parte do distrito da Guarda), sempre acima dos 50 % dos depósitos de emigrantes da Beira Interior (os valores oscilaram entre 51,9 % em 2011 e 56,5 % em 2004). A predominância desta NUT III, face às da Serra da Estrela, da Cova da Beira e da Beira Interior Sul, fica a dever-se à maior extensão territorial daquela NUT III (cerca de uma dezena de concelhos contra 4 da Serra de Estrela, 3 da Cova da Beira e 4 da Beira Interior Sul), a uma população maior e, logicamente, a um maior número de emigrantes da região [ii], e eventualmente ao facto de nesta sub-região não haver tanto emprego como ainda então havia no têxtil da Covilhã, na agricultura do Fundão e em alguns comércios e indústrias de Castelo Branco.



O País, a Região Centro e a Beira Interior
Os depósitos dos emigrantes em Portugal atingiram em 2011 os 6 384 milhões de euros quando os depósitos totais do país foram de 197 407 milhões, na Região Centro atingiram os 1 763 milhões, na chamada Beira Interior (distritos da Guarda e Castelo Branco) os 413 milhões, na NUT III da Serra da Estrela os 53,4 milhões, na Beira Interior Norte os 219,2 milhões, na Cova da Beira os 76,2 milhões e na Beira Interior Sul os 64,2 milhões.



O gráfico 3 mostra a repartição em valores absolutos e o gráfico 4 os valores percentuais desses depósitos nas quatro NUTS III da Beira Interior (413 milhões de euros) onde é bem visível a importância dos depósitos da Beira Interior Norte (219,2 milhões; 53 %) para o total da Beira Interior e da Região Centro, da Cova da Beira (76,2 milhões; 18 %), da Beira Interior Sul (64,2 milhões; 16 %) e por fim da Serra de Estrela (53,4 milhões; 13 %).




Por concelhos dentro de cada NUT III

O gráfico 3 mostra os concelhos da Beira Interior ordenados em função dos valores absolutos das remessas efectuadas e depositadas. Nele se destaca, por ordem decrescente de importância, o Sabugal, a Guarda, o Fundão, Castelo Branco e a Covilhã. Nos lugares seguintes vêm Seia, Trancoso, Celorico da Beira, Gouveia, Pinhel, Almeida, Fornos de Algodres, Idanha-a-Nova, Belmonte e Figueira de Castelo Rodrigo. Os restantes concelhos destas quatro NUTS III não constam da tabela de dados disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).


Por NUTS III da Beira Interior

Do total de 413 milhões de euros de depósitos no sistema financeiro português proveniente das remessas dos emigrantes da Beira Interior Norte, os emigrantes de Almeida contribuíram com 11,4 milhões de euros, Celorico da Beira com 20,9, Figueira de Castelo Rodrigo com 7,1, Guarda com 56,5, Pinhel com 13,9, Sabugal com 61,3 e Trancoso com 23,2, os restantes concelhos não constando nas estatísticas consultadas. Do total de 76,2 milhões de euros depositados na banca nacional pelos emigrantes da Cova da Beira, os de Belmonte contribuíram com 8,5 milhões, os da Covilhã com 25,1 e os do Fundão com 42,6. Na NUT III da Beira Interior Sul, do total de 64,2 milhões de euros depositados na banca nacional, os emigrantes de Castelo Branco contribuíram com 41,7 milhões e os da Idanha-a-Nova com 9,0. Os restantes concelhos não constam da listagem do INE consultada. Os emigrantes da NUT III da Serra de Estrela mandaram para Portugal um total de 53,4 milhões de euros que depositaram na banca nacional, tendo os emigrantes de Fornos de Algodres contribuído com 9,4 milhões, os de Gouveia com 19,5 e os de Seia com 24,6. 


Os concelhos no total de depósitos
Vejamos agora os concelhos de toda a Beira Interior ordenados em função do peso do valor de remessas efetuadas no total das remessas depositadas na Beira Interior. Nele se confirma a primazia do Sabugal com 16,4 % do total, vindo depois a Guarda (15,1 %), o Fundão (11,4 %), Castelo Branco (11,1 %) e a Covilhã (6,7 %). Nos lugares seguintes vêm Seia (6,6 %), Trancoso (6,2 %), Celorico da Beira (5,6 %), Gouveia (5,2 %), Pinhel (3,7 %), Almeida (3,1 %), Fornos de Algodres (2,5 %), Idanha-a-Nova (2,4 %), Belmonte (2,3 %) e Figueira de Castelo Rodrigo (1,9 %).



Por concelho dentro de cada NUT III
As estatísticas do INE definem como “taxas de depósito” o quociente entre os depósitos dos emigrantes no total dos depósitos realizados no respetivo concelho. O quadro seguinte mostra que o peso ou quota-parte dos depósitos dos emigrantes nos depósitos totais em Portugal é de 3,2 % e que na Região Centro é superior, atingindo os 5,6 % sendo bem superior em três das quatro NUT III da Beira Interior : na NUTIII Beira Interior Norte (distrito da Guarda) é de 11,6 %, na Cova da Beira (distrito de Castelo Branco) é de 6,8 %, na Beira Interior Sul (também do distrito de Castelo Branco) é 5,6 % e por fim na Serra da Estrela (distrito da Guarda) é de 7,9 %.




Desagregando por concelhos, pode ver-se que na NUT III da Beira Interior Norte, em que, como já se disse, o peso dos depósitos dos emigrantes no sistema financeiro português é em média de 11,6 % dos depósitos, os emigrantes de Almeida contribuíram com 8,4 % dos depósitos efetuados nos bancos do concelho, os de Celorico da Beira com 17,69 %, os de Figueira de Castelo Rodrigo com 8,97 %, os da Guarda com 6,87 %, os de Pinhel com 9,88 %, os do Sabugal com 22,56 % e os de Trancoso com 12,17 %. Os restantes sete concelhos da NUT III da Beira Interior Norte não constam das estatísticas consultadas. Na NUT III da Cova da Beira o peso dos depósitos dos emigrantes no sistema financeiro português é em média de 6,84 % dos depósitos; destes os emigrantes naturais de Belmonte contribuíram com 7,20 % dos depósitos totais, os da Covilhã com 4,26 % e os do Fundão com 10,46 %. Na NUT III da Beira Interior Sul o peso dos depósitos dos emigrantes no sistema financeiro português é em média de 5,57 % dos depósitos; destes os emigrantes de Castelo Branco contribuíram com 4,7 % dos depósitos totais e os da Idanha-a-Nova com 7,1 %. Por fim na NUT III da Serra da Estrela o peso dos depósitos dos emigrantes no sistema financeiro português é em média de 7,93 % dos depósitos totais; destes os emigrantes de Fornos de Algodres contribuíram com 12,16 % dos depósitos totais, os de Gouveia com 8,48 % e os de Seia com 6,70 %.


Corrigir desequilíbrios

Embora vindo a perder importância face à que teve nas últimas décadas do século passado, as remessa dos emigrantes portugueses continuam a ser importantes para o país e para as famílias, em particular as da Beira Interior. Esta importância está novamente em crescendo desde os anos 2007-2008 como que prevendo, por antecipação, as crises das hipotecas (“subprime”), financeira e económico-social geral que tão fortemente se iria abater sobre os portugueses a partir deste último ano até à atualidade. E é evidente que estas remessas permitem corrigir os desequilíbrios das contas externas nacionais e sobretudo as das depauperadas economias dos naturais ou residentes nestes concelhos do centro-interior de Portugal.

[i] As NUTS (Nomenclaturas de Unidades Territoriais para fins estatísticos) designam as sub-regiões estatísticas em que se divide o território dos países da União Europeia, incluindo o território português. De acordo com o Regulamento (CE) n.º 1059/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Maio de 2003, relativo à instituição de uma Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Estatísticas (NUTS), estas estão subdivididas em 3 níveis : NUTS I, NUTS II e NUTS III que por sua vez integram os diferentes concelhos de Portugal.

[ii] Eram aliás oriundos desta região muitos dos engajadores que até ao 25 de Abril levavam clandestinamente a maior parte dos emigrantes portugueses, sobretudo para França mas também para a Alemanha, Suíça e outros países da Europa.

O título, o subtítulo e os intertítulos são da responsabilidade da redação de Notas de Circunstância.