Uma análise atenta dos resultados do programa Pisa da OCDE referentes à literacia matemática permite constatar uma evolução positiva que não pode ser ignorada nem deturpada por meros calculismos partidários…
O Programme for International Studente Assessmente (PISA) é uma iniciativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) que tem por objetivo avaliar a qualidade da educação e contribuir para a discussão e definição de políticas de melhoria do sucesso educativo.
Lançado em 1997, o primeiro ciclo de avaliação ocorreu em 2000, realizando-se desde então em cada três anos e abrangendo três áreas do conhecimento : Leitura, Matemática e Ciências. Em cada ciclo do programa é dado maior enfâse a uma determinada área : em 2000 foi à Leitura, em 2003 à Matemática, em 2006 às Ciências, em 2009 novamente à Leitura, em 20012 à Matemática e em 2015 será novamente a vez das Ciências.
Esta iniciativa internacional de avaliação comparada consta de inquéritos aplicados a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade obrigatória num número significativo de países. Os resultados do PISA [1] são apresentados sob a forma de pontuação e de um nível de proficiência, descrevendo as tarefas que o aluno é capaz de realizar com sucesso.
A situação à partida, em 2003
Mas, para além da avaliação das competências dos jovens, o PISA recolhe, trata e analisa um conjunto de indicadores demográficos, socioeconómicos e educacionais que possibilitam uma análise relacional entre os desempenhos dos alunos e os seus respetivos contextos.
O interesse dado a este instrumento de avaliação por decisores, investigadores e média é grande e reside no facto de ser muito diferente de outros estudos internacionais. Colocando a tónica na idade e não num determinado ano de escolaridade, procura avaliar o que um aluno de 15 anos aprendeu dentro e fora da escola, apresentando-lhe tarefas de aplicação de conhecimentos em situações quotidianas. Desta forma, o PISA visa medir a literacia [2], distinguindo-se de estudos que procuram medir o domínio de conhecimentos específicos, competências e conceitos.
O ciclo de 2003 em literacia matemática [3] envolveu cerca de 250 mil alunos de 41 países (30 da OCDE), sendo 4608 deles portugueses de 141 escolas pública e 12 privadas. Os resultados divulgados revelam que os desempenhos dos alunos portugueses de 15 anos, por comparação com os dos seus colegas dos outros países, são preocupantes. A pontuação média de Portugal foi de 466 pontos, abaixo da média da OCDE e muito distante dos valores dos países com melhores classificações médias (Gráfico 1).
Mas tendo em conta os níveis de proficiência a situação é ainda mais problemática (Gráfico 2).
As medidas desenvolvidas
Classificando os 41 países por ordem decrescente de percentagem, dos níveis 6 a 2, Portugal ocupa o 32º lugar, apenas acima de 8 países (Grécia, Uruguai, Brasil, Sérvia, Tailândia, México, Tunísia e Indonésia). Cerca de um terço dos alunos portugueses têm um nível de literacia matemática igual ou inferior a 1, enquanto esse valor é de 25,6 % entre o total dos países participantes e de 21,4 % entre os países da OCDE. Estes alunos não possuem pois as competências mínimas necessárias a uma participação ativa na sociedade, limitando-se a realizar tarefas simples que envolvem contextos que lhes são familiares.
Se compararmos os resultados dos alunos com níveis elevados de proficiência (nível 5 e 6), a percentagem dos alunos portugueses fica-se pelos 5,4 %, enquanto entre os países participantes esse valor é 13,1 % e entre os países da OCDE de 14,6 %.
Sendo evidente e preocupante o desempenho médio dos alunos portugueses não é de ignorar a sua relação com os contextos macro e micro sociais. Tal como refere o relatório PISA, ajustando o desempenho médio de cada país a aquele que seria de esperar, se as condições sociais e económicas fossem médias (não apresentando variação de país para país), as posições relativas de cada país alteravam-se.
Portugal melhoraria substancialmente a sua posição relativa, considerando o rendimento e o capital social, representados através do Produto Interno Bruto (PIB) per capita e do nível de escolarização secundária. No primeiro caso, o seu desempenho médio de 466 pontos passaria a 479 e, considerando simultaneamente o PIB per capita e o nível de escolarização, o desempenho médio estimado pelo PISA passaria a ser de 521 pontos, muito acima da média fixa de 500 pontos.
É vasta a investigação [4] sobre a forma como as iniciativas de avaliação comparada (de que o PISA é um exemplo) têm vindo a ser utlizadas nos processos de decisão e legitimação de políticas e reformas educativas. Concretamente, em Portugal, os resultados do PISA foram profusamente evocados e valorizados pelo XVII Governo Constitucional (2005-2009), quer em termos do discurso como em matéria de decisão política.
Argumentando que estudos internacionais e nacionais revelavam a necessidade de desenvolver medidas que contribuíssem para melhorar as condições de ensino e aprendizagem da matemática e os níveis de sucesso dos alunos, o Ministério da Educação lançou um conjunto de iniciativas de que se destacavam o Programa de formação contínua para professores do 1º ciclo (2005-2011), o Plano de ação da matemática (2006-2009), o novo Programa de matemática para o ensino básico (2007) e o Plano da matemática II (2009-2012).
Estas medidas estavam em linha com recomendações europeias para o ensino da matemática que valorizam a centralidade do currículo na prática de sala de aula, a diversidade das abordagens de ensino, a utilização de práticas mais inovadoras de avaliação, um apoio mais sistemático aos alunos com dificuldades, o estímulo da motivação e autoconfiança dos alunos e a melhoria das qualificações, em contexto de trabalho, dos professores (EACEA-Eurydice, 2011).
A nova situação, em 2012
O ciclo do PISA de 2012 envolveu cerca de 510 mil alunos de 65 países (34 da OCDE), sendo 7151 deles alunos portugueses de 195 escolas. Os resultados divulgados em 3 de dezembro de 2013 revelam que os desempenhos dos alunos portugueses melhoraram não só em termos absolutos como relativos. A pontuação média de Portugal foi de 487 pontos, mais 21 do que em 2003. Em termos comparativos, este resultado coloca Portugal, pela primeira vez, na média da OCDE [5], juntamente com a República Checa, a França, o Reino Unido, a Islândia e a Noruega (Gráfico 3).
No conjunto dos participantes nas edições 2003 e 2012, os países asiáticos são os que ocupam as primeiras posições : a Hong-Kong, à Coreia do Sul, ao Japão e a Macau (entre os 10 primeiros em 2003), juntam-se Xangai, Singapura e Taiwan (não participantes em 2003). Entre os países europeus os primeiros colocados [6] são o Liechtenstein, a Suíça, os Países Baixos, a Finlândia e a Estónia (não participante em 2003).
Tendo em conta os níveis de proficiência a situação de Portugal melhora, igualmente, de forma muito positiva (Gráfico 4).
Classificando os 65 países por ordem decrescente de percentagem, dos níveis 6 a 2, Portugal ocupa o 35º lugar, agora acima de 32 países, designadamente dos seus congéneres europeus Noruega, Dinamarca, Suécia e Espanha. A proporção dos alunos portugueses que têm um nível de literacia matemática igual ou inferior a 1 é de 25,6 % e de 10,6 % com nível 5 e 6. De facto, confrontando os resultados de 2012 e 2003 verifica-se que o desempenho dos alunos portugueses melhorou significativamente, mesmo em termos comparativos com os valores médios da OCDE e do total dos países participantes no PISA (Gráfico 5).

Os argumentos depois do silêncio
Portugal, à semelhança apenas da Polónia e da Itália, diminui a percentagem de alunos com baixo desempenho e aumenta a percentagem daqueles que têm um desempenho elevado. A proporção de alunos com baixo desempenho desce 5,2 pontos percentuais, aproximando-se da média dos países da OCDE (a -1,9 pontos percentuais) e acima do valor médio do total dos países participantes (a +1,2 pontos percentuais). Também a proporção de alunos com elevado desempenho sobe 5,2 pontos percentuais, aproximando-se da média dos países da OCDE (a -2 pontos percentuais) e do total dos países participantes (a -1,9 pontos percentuais).
Tal como referido para os resultados de 2003, ajustando o desempenho de Portugal à sua condição macro social (índice económico, social e cultural construído no PISA 2012) a pontuação estimada passaria de 487 para 520 pontos. Face à alteração do posicionamento relativo dos países, Portugal passaria do 35º lugar para o 11º, muito acima da esmagadora maioria dos seus parceiros europeus (Gráfico 6).

Após uma semana de silêncio, o ministro Nuno Crato reage à divulgação dos resultados de Portugal em 2012. As suas palavras são de desvalorização e os seus argumentos enviesados e contraditórios com o seu habitual discurso de endeusamento de tudo o que é avaliação, pela ótica dos resultados : desta vez o PISA deixa de ser um bom indicador de qualidade dos sistemas educativos…
Este comportamento é revelador de falta de credibilidade e deixa antever incapacidade para resolver os problemas educativos do país. Porém, é coerente com a atual orientação da política educativa do governo. Desde que em junho de 2011 tomou posse, Nuno Crato põe fim a um conjunto de medidas e programas inovadores em curso nas escolas e que apresentavam perspetivas, a médio e longo prazos, de bons resultados. Fazendo uso da cartilha conservadora que enaltece o “rigor”, a uniformização, a prescrição, as metas e a memorização, acaba com o Plano da Matemática, faz aprovar as metas curriculares e revoga o programa de matemática para o ensino básico de 2007.
Limitando fortemente a tarefa das escolas e dos professores de poderem adaptar e ajustar o seu trabalho de sala de aula às caraterísticas e necessidades específicas dos seus alunos, prescreve metas e percursos curriculares únicos para cada ano de escolaridade, à luz dos quais alunos e professores passarão a ser avaliados. Ignorando que o programa de matemática apenas terminava o seu ciclo de generalização a todos os anos de escolaridade em 2013, põe-lhe fim, desestabilizando as escolas, sem proceder à sua devida avaliação. Esquecendo que a melhoria das aprendizagens a matemática exigem recursos e tempo para serem consistentes, acaba com o mais global e bem concebido programa de melhoria das aprendizagens da matemática : o Plano da Matemática. Pondo fim ao trabalho realizado nos últimos anos por escolas, professores e alunos, cujos resultados evidenciam uma melhoria das aprendizagens matemáticas, as opções tomadas fazem prever o pior. Esperemos pois pelo PISA 2021 para avaliar as reais consequências…
Referências
GAE (2004), PISA 2003 – Conceitos fundamentais em jogo na avaliação de literacia matemática, Ministério da Educação. Lisboa.
EACEA-Eurydice (2011), O ensino da matemática na Europa: Desafios comuns e políticas nacionais, DGEEC, Lisboa.
ProjAVI (2013). PISA 2012: Portugal, primeiros resultados, Lisboa.
[1] A pontuação é apresentada numa escala de 0 a 1000, média fixa a 500 e um desvio padrão de 100 nos países da OCDE, o que significa que cerca de dois terços dos alunos têm entre 400 e 600 pontos. Os níveis de proficiência apresentados são seis, com o nível 6 a representar o nível mais elevado, o nível 2 a ser considerado o nível mínimo que todos os alunos devem atingir, sendo que abaixo deste nível o PISA entende que os alunos não possuem as competências mínimas necessárias a uma participação ativa e eficaz na sociedade, demonstrando mesmo muitas dificuldades em realizar tarefas simples do dia-a-dia.
[2] O conceito de literacia tal como é utilizado no PISA remete para a capacidade dos alunos aplicarem os seus conhecimentos e analisarem, raciocinarem e comunicarem com eficiência, à medida que colocam, resolvem e interpretam problemas numa variedade de situações concretas (GAE, 2004).
[3] Capacidade do individuo de identificar e compreender o papel que a matemática desempenha no mundo real, de tomar decisões bem fundamentadas e de usar e se envolver na resolução matemática de problemas da sua vida, enquanto cidadão construtivo, preocupado e reflexivo (GAE, 2004).
[4] A título meramente exemplificativo é de referir o n.º 10 da revista Sísifo, Revista de Ciências da Educação, de setembro-dezembro de 2009.
[5] A média alcançada pelos países membros da OCDE foi de 494 pontos e a média para o total dos países participantes foi de 487 pontos.
[6] A Bélgica em 2003 estava na 8ª posição com 529 pontos, mas em 2012 passou para a 15ª posição com 515 (-14 pontos).
O título, o subtítulo e os intertítulos são da responsabilidade da redação de Notas de Circunstância.