Reflexão Os desafios e os recursos

Domingos Santos, professor no Instituto Politécnico de Castelo Branco

Cumprido o ciclo de construção de obras públicas, as autarquias locais defrontam-se com uma profusão de novas urgências, quando a exiguidade dos meios é evidente…


O balanço geral da experiência do poder autárquico é, em Portugal, largamente positivo. O poder local afirmou-se, ao longo das últimas praticamente já quatro décadas, como um instrumento de desenvolvimento que produziu resultados inquestionavelmente favoráveis no nível e na qualidade de vida das populações. Tornou-se a espinha dorsal da estrutura político-social de base do nosso País.

Os municípios posicionaram-se basicamente como prestadores de bens e serviços de natureza pública. Providenciaram a construção de infra-estruturas básicas ligadas ao fornecimento de água, ao saneamento básico, às acessibilidades ; dotaram os seus concelhos com equipamentos de índole social, cultural e desportiva que permitiram tornar a vida mais agradável e amena ; e, para além de outras atividades, desenvolveram importantes funções ao nível do planeamento físico e da gestão urbanística. Permitiram atenuar as assimetrias territoriais no acesso a bens e serviços básicos.


Um novo conjunto de desafios

Cumprido que está, em larga medida, esse ciclo de construção de obras públicas, as autarquias locais, defrontam-se, actualmente, com um novo conjunto de desafios. Por um lado, é imperioso, agora, erigir e implementar políticas de animação (cultural, desportiva,...) que permitam rentabilizar o investimento em betão e, por outro lado, num plano diverso, é fundamental dar resposta adequada às questões atinentes à protecção do emprego e à defesa e à promoção do tecido produtivo.

Este último parece-me ser o desafio mais complexo que os municípios enfrentam atualmente : aumentar a sua prosperidade económica e a sua competitividade, reduzindo o desemprego e a exclusão social. A globalização, a ascensão da economia dos serviços e a crescente concorrência internacional são, simultaneamente, oportunidades e ameaças. Responder a estes novos desafios económicos, sociais e ambientais não se afigura tarefa fácil. E, sejamos claros, não há sustentabilidade que resista à incapacidade em gerar emprego em quantidade e qualidade, e riqueza que possa ser distribuída pelos cidadãos. Não há escapatória : é preciso, usando uma semântica desportiva, começar a jogar nesse campeonato !

Não admira, assim, que muitos autarcas evidenciem sinais de grande insatisfação que radicam na incapacidade em atender com sucesso a esse novo leque de desafios. Alguns, com razão, começam já a suscitar a necessidade de transpor para o nível local um novo conjunto de competências e de meios que lhes permitam responder eficazmente a esta nova geração de problemas.

E se é verdade que alguns autarcas persistem em justificar as insuficiências da sua intervenção com a insuficiência na transferência de recursos financeiros do Orçamento Geral do Estado, sem questionar os seus próprios métodos de acção, certo é que uma simples leitura dos dados do Eurostat [1] permite facilmente concluir que o nosso Estado Local se encontra muito exaurido de meios financeiros para dar resposta cabal a estes novos desafios da competitividade e da coesão.



O que deve ser descentralizado

No nosso País ressalta claro um desequilíbrio gémeo : o excessivo peso do Estado Central, a par da escassez de meios do Estado Local. O que claramente está em causa é a profunda necessidade de reformar o Estado, o que, por vicissitudes várias, tem sido adiado ao longo de décadas, obedecendo a uma lógica centralista que vem de longe. A este propósito, parece-me decisivo combater a ideia instalada em alguns meios de que os municípios são um Estado fora do Estado. Relembra-se que 80 % dos funcionários públicos está afeto à administração central e cerca de 25 % de todos os funcionários está concentrado em Lisboa [2]. A geopolítica do centralismo é uma das tendências mais vincadas do país. O centralismo, como se sabe, parte do pressuposto de que tudo o que é bom para Lisboa é bom para Portugal !

Repare-se que, mesmo num país tão centralizado como é o francês, o envelope financeiro para o governo local é incomparavelmente maior do que percentagem que lhe é atribuída em Portugal, 11,7 % contra 7,0 %, ou seja, 67 % mais. E os tão badalados exemplos de benchmarking de países escandinavos são aqui meramente demonstrativos da importância em dotar o Estado Local de capacidade financeira e humana, de músculo, que permita alavancar toda uma série de projetos ligados à sociedade e à economia do conhecimento. O caso espanhol retrata uma realidade administrativo-política em que as 17 comunidades autónomas são uma das principais alavancas da Estado, razão pela qual, o poder local exibe também valores de despesa exíguos relativamente ao total da administração pública – repare-se que Espanha tem uma despesa através do estado central que é menos de metade da portuguesa.

Num Estado tão centralizado e burocratizado como o nosso, é fundamental discutir o que deve ser descentralizado para os municípios e para as regiões ou, na atual conjuntura, para as comunidades intermunicipais. Porém, a criação órgãos intermédios não pode ser feita retirando competências e meios ao poder local. Ao invés, o movimento de descentralização deve permitir muscular os grandes protagonistas do desenvolvimento local, as autarquias, dotando-as de competências e meios que lhes permitam estar à altura da complexidade dos desafios contemporâneos que estes territórios enfrentam. O caminho apontada na estratégia Europa 2020 [3], no sentido de que a União Europeia se torne uma economia inteligente, sustentável e inclusiva, só reforça ainda mais essa urgência.



[2] Guerreiro Mestre, Sandra Isabel (2012), O Impacto da evolução do número de funcionários nos resultados hard e soft, dissertação para obtenção de grau de mestre em Gestão e Políticas Públicas, Lisboa, UTL.





O título, o subtítulo e os intertítulos são da responsabilidade da redação de Notas de Circunstância.