Editorial Sim à discriminação positiva !

J.-M. Nobre-Correia

Não é só a atribuição de bolsas de estudo que tem que favorecer a escolha do ensino superior “no interior”. Há também que dotar este “interior” de infraestruturas económicas, socioculturais e médico-hospitalares para que a radicação de futuros diplomados seja viável…

Este governo tem sido alvo de tantas e justificadas críticas, que há que saudar uma das suas anunciadas iniciativas. Aquela que consistiria em atribuir bolsas de mobilidade a jovens do litoral para irem estudar nas escolas de ensino superior “do interior”. Resta saber se tal iniciativa se destinará a ser apenas um “efeito de anúncio” para consumo de jornalistas e cidadãos distraídos. Ou se virá de facto a concretizar-se de maneira a ter resultados claramente palpáveis.

É claro que tal iniciativa só poderá ter efeito se as condições de admissão nas escolas de ensino superior “do interior” não foram “adaptadas” de modo a facilitar o acesso e, por consequência, a diminuir o prestígio das ditas escolas. Pelo contrário : só fazendo aumentar este prestígio se poderá perenizar a atração de jovens do litoral (e do estrangeiro) pelo “o interior”.

Por outro lado, só se forem criadas paralelamente novas condições de emprego e de vida sociocultural será possível que os que vieram para estudar decidam fixar-se “no interior”. O que significa que o poder central, em estreita colaboração com os responsáveis locais, tem que conceber polos de desenvolvimento regional dotados das indispensáveis infraestruturas capazes de viabilizar iniciativas sustentáveis de natureza económica.

Mas o desenvolvimento económico não é tudo. Os que vivem “no interior” sentir-se-ão em situação de relegação e inevitavelmente atraídos por um litoral centro-norte onde existem atividades de lazer e de vida sociocultural em abundância. Pelo que é indispensável que uma parte das escolas de ensino superior e instituições culturais diversas (museus, bibliotecas, arquivos, média públicos,…) que obstruem o funcionamento fluido desejável de uma metrópole como Lisboa sejam transferidas para “o interior”.

Mas há também todo o aspeto médico-hospitalar que terá que ser abordado. Porque não é normal que, perante problemas de saúde mais ou menos sérios, os cidadãos residentes “no interior” tenham obrigatoriamente que ir ao Porto, a Coimbra ou a Lisboa para consultas, tratamentos ou intervenções cirúrgicas que deveriam fazer parte das rotinas de um centro hospitalar. Só que, para evocar apenas o caso do Centro Hospitalar da Cova da Beira, uma série de valências não dispõem de um único especialista ou contam com um número de especialistas puramente simbólico e, desde logo, pouco operacionais. E isto num centro hospitalar ligado a uma Faculdade de Ciências da Saúde, onde se ministram mestrados e doutoramentos em Medicina !

A necessidade de descentralização da sociedade portuguesa parece ser uma evidência reconhecida. Mas, numa descentralização concebida em termos democráticos, não se trata de proceder apenas a uma descentralização da administração pública. Mas sim a uma decentralização igualmente da produção económica, das condições de assistência médico-hospitalar e da vida cultural. De outro modo, a subalternização e a desertificação “do interior” serão garantidamente duradoiras. Até que chegue o tempo de uma morte anunciada…

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Correção : por ocasião da publicação de « Quatro poemas » seus, escrevemos no precedente número de Notas de Circunstância que Albano Martins foi « cofundador da revista Árvore ». Escreve-nos o poeta : « Bem sei que a notícia circula erradamente nas internetes. Mas não, eu fui, sim, colaborador da revista e seu secretário anónimo, a partir do nº 2 ».

O erro que cometemos é tanto mais explicável que circulam sobre Albano Martins outros erros fatuais mais na biografia que geralmente se traça de ele. Assim, o poeta nasceu no Telhado (uma aldeia do concelho do Fundão) e não na Póvoa da Atalaia (outra aldeia do concelho do Fundão). E nasceu em 24 de julho de 1930 e não em 6 de agosto de 1930. Dois erros da administração pública que ficam também aqui corrigidos…