António Supico, professor aposentado da Escola Básica Serra da Gardunha, Fundão *
Desde criança, sempre me fascinou a observação das pequenas coisas e o enfoque crítico no mundo que me rodeava. Lembro ainda o prazer que sentia em olhar o que estava à minha volta, escolhendo o ângulo que mais me agradava.
Mais adiante, a ligação à música, ao ensino e às artes, fez despertar em mim o gosto pela fotografia – do instantâneo ao elaborado estudo da forma –, num tempo em que uma foto tinha que ser muito atentamente ensaiada e supunha um só clique para a tomar em negativo, inalterável !
A máquina fotográfica mostrou-me mais mundo. Foi com ela que me apaixonei por nuvens de todas as formas e movimentos, que me enamorei por portões e muros de pedra, por birras e sorrisos de criança. Entreguei-me a rostos marcados pelo tempo, alguns cheios de rugas, sulcos que a idade e o rigor esculpiram e escavaram em homens e mulheres que me foram contando, mesmo em silêncio, histórias de vida e muito trabalho. Descobri como é extraordinariamente rico o nosso património humano e arquitetónico, particularmente o da minha região, a Beira Interior, em especial o da Cova da Beira e do Fundão que me viu nascer.
Captar a labuta e o lazer, o recato ou o atrevimento, o instantâneo do gesto ou do momento, foi a oportunidade de partilhar também a objectiva com o mundo dos outros, de gentes reais que se cruzam. A expressão, o movimento e a luz fazem da imagem fotográfica qualquer coisa de extraordinário, como dar vida para além do tempo real em que decorre o presente. No segundo em que dispara a câmara e capta a imagem, o fotógrafo encontra-se, enamora-se e confunde-se com o objecto do seu olhar, fundindo-se, cúmplices, num só.
O olhar do fotógrafo através da objectiva é a memória do momento. O segundo do clique que regista o ato ou o gesto permite ao homem por trás da câmara a estonteante e apaixonante possibilidade de passá-la de efémera a eterna. O fotógrafo passa a ator da cena a que assiste, age, reage e atua através da sua objectiva, podendo, num clique, apoderar-se dela à sua maneira, num reflexo da forma como a sente.
As seis fotografias aqui publicadas atrevem-se a apresentar alguns esboços da vida destas gentes, traços de algumas cenas e quadros do quotidiano em 1. Belmonte, 2. Castelo Novo, 3. Lavacolhos, 4. Donas, 5. Fatela e 6. Janeiro de Cima.
* Professor aposentado de educação visual e tecnológica, António Supico é autor do livro Gentes da Beira, editado pela Câmara Municipal do Fundão, 2013, 110 p., de onde são extraídas as fotografias aqui publicadas. É percussionista do grupo musical Anafaia, preside a Ocaia (Associação de Artes e Saberes Tradicionais) e montou a oficina de brinquedos tradicionais Trad&Arte (A Arte na Tradição).
A nota biográfica é da responsabilidade da redação de Notas de Circunstância.
