J.-M. Nobre-Correia
Lançada em 5 de setembro do
ano passado, a revista em linha Notas de
Circunstância deixa de ser publicada. Razões várias explicam uma decisão
praticamente inevitável…
No
número posto em linha em 5 de junho último, a redação de Notas de Circunstância anunciava o seu número 11 para 5 de
setembro, após uma normal pausa de férias. Porém, feito o balanço dos dez números
publicados, a revista deixa de ser publicada. Haverá alguns velhos invejosos,
mergulhados no sinistro sentido de rivalidade que os mina, que se regozijarão
com a notícia. Mas haverá quem, bem mais numerosos, ousa imaginar-se,
lamentarão que a revista desapareça. É para estes, assim como para os fiéis
leitores e os colaboradores mais ou menos assíduos, que se torna indispensável
dar umas palavras de explicação.
A
conceção inicial de um trimestral ou talvez até mesmo de um bimestral em papel,
teve que ser rapidamente abandonada, confrontada com a dura realidade
portuguesa dos sectores da edição e da distribuição de publicações. O que tal
iniciativa suporia em termos de meios humanos e financeiros seria dificilmente
sustentável. Pelo que a opção pela edição em linha, lançada em 5 de setembro do
ano passado, parecia a mais razoável.
Esta
edição em linha viu-se porém confrontada imediatamente à indiferença tática (chamemos-lhe
assim) de todos os média da Beira Interior, sem exceção, altamente preocupados
com as suas quintinhas de influência e os seus privilegiozitos caseiros.
Atitude estrategicamente absurda, mas que põe em evidência as práticas
jornalísticas que reinam nestes média, mais habituados à subserviência do que à
irreverência para com os poderes locais do momento, publicando a “palavra
divina” de uns e os comunicados “bíblicos” de outros.
Outra
deceção : a falta de reações dos leitores, com algumas honrosas exceções. Houve
sobretudo uma quase total ausência de um debate de ideias, de argumentos, de
dados factuais que pudessem contribuir para um aprofundar das análises e das
reflexões propostas. Constatação que é igualmente de aplicação na generalidade
da imprensa portuguesa. Enquanto que nos “comentários” dos leitores nas edições
em linha predominam o insulto, a calúnia, a insinuação e a grosseria.
Por
fim (e é mesmo caso para dizer : last but
not least), foi impossível desencadear um movimento mais ou menos espontâneo
de propostas de colaborações. Foram raríssimas as contribuições que não foram
arrancadas a ferros. Gente houve que prometeu um, dois, três textos que, dez números
depois, …nunca chegaram. Ou que enviou textos três ou quatro vezes maiores do
que o tamanho aceitável, sem que tal exagero fosse editorialmente,
tecnicamente, justificado. Ora, bem menos do que em papel, os textos em linha
suportam dificilmente os tamanhos infindáveis que convidam ao abandono,
sobretudo quando a originalidade do tema e o talento da escrita não ajudam a
ultrapassar esta tentação.
Autores
houve que, em vez do tema combinado, enviaram outros sem relação alguma ou com
uma relação muito longínqua com o dito tema. Outros que enviaram textos que já
tinham sido publicados e que, sem o anunciarem, procuravam reciclá-los sem
qualquer atualização, revisão ou aprofundamento novo. Outros que queriam propor
ou propuseram mesmo textos caraterizados por um compadrio indecoroso, em que o
autor diria ou dizia maravilhas de um amigo que queria fazer passar por
verdadeira sumidade ou autêntico génio desconhecido…
Isto
para não falar de textos que tiveram que ser largamente reescritos uma, duas,
três ou mesmo quatro vezes. Em que os erros de ortografia (velha ou nova) e/ou
de sintaxe abundavam, apesar dos diplomas superiores dos autores. Em que as
referências tiveram que ser verificadas e refeitas. Ou textos que eram pura e
simplesmente impublicáveis, pela inconsistência do tratamento do tema ou pela
total inadequação da escrita a uma revista em linha que se queria globalmente
cultural.
A
quase ausência de propostas de colaboração (com exatamente duas exceções)
obrigou a que tivessem que ser escritos muitas centenas de “mails” e dadas outras
tantas centenas de telefonemas. Autores potenciais houve a quem foram
endereçados dezenas de mensagens escritas e telefónicas a que nunca se dignaram
reagir [1].
Um investimento de tempo desesperante, com resultados incontestavelmente interessantes
mas globalmente aquém do que era esperado.
Ora,
precisamente, o que se esperava era desencadear um processo de análise e de
reflexão sobre os mais diversos temas caraterísticos da Beira Interior (e até
da Beira tout court), que pouco ou
nada interessam os média de Lisboa. Mas também levar gente da Beira Interior a
debruçar-se sobre temas de fundo mais gerais, para além dos da Beira Interior,
ultrapassando assim a dificuldade que consiste em ter acesso aos média ditos
“nacionais”. E mais ainda : abrir portas à criatividade de ficcionistas,
poetas, fotógrafos, pintores, desenhadores e demais artistas que, na maior
parte dos casos, tanta dificuldade têm em afirmar-se para além das fronteiras
da região.
A
dificuldade em aceder a autores de ficção literária foi enorme e inesperada
(embora uma editora tenha avisado que “não se produz por aí nada que venha das
novas gerações” !). E outra grande dificuldade foi conseguir alargar o leque
dos colaboradores a toda a Beira Interior : nem uma única contribuição teve por
origem o distrito da Guarda, apesar das numerosas tentativas que redundaram num
silêncio quase geral [2]
!
Mas
nem tudo foi sinistramente sombrio. Pelo que aqui fica um agradecimento final sincero
a todos os autores, alguns dos quais eminentes, que permitiram que a revista fosse
mensal e pontualmente publicada durante uma “época”, com uma qualidade
largamente reconhecida. Com um agradecimento especial a Isaura Reis pelo
entusiasmo posto no início do projeto. E outro a Eduardo Maia Costa que se propôs
imediatamente como “colaborador permanente” e foi o único leitor a fazer
sistematicamente uma análise crítica de cada número publicado.
A
revista mensal em linha Notas de
Circunstância fica pois por aqui. Melhores dias poderão surgir… Entretanto,
o bloco-notas Notas de Circunstância 2
continua no endereço habitual : http://notasdecircunstancia2.blogspot.pt (atenção
ao “2” que o distingue do endereço da revista)…
[1] …e no dia em que, após 16
« mails » e um sem números de telefonemas (que rapidamente deixaram
de ser atendidos, quando o número era reconhecido, supõe-se, mas que deram
lugar a mensagens escritas ou a gravações sonoras), foi anunciado, dez meses
depois, a um dos autores potenciais que os pedidos de colaboração ficavam por
ali, mas que, bem entendido as “páginas” da Notas
de Circunstância continuavam a ficar-lhe abertas, isso deu lugar uma reação
de uma inacreditável arrogância egocêntrica agressiva da parte do dito autor
potencial !
[2] Ver a este propósito o « Balanço »
publicado em anexo final do editorial do número 10.